quinta-feira

Ego(des)centrismo

A vida é feita de muitos caminhos e possibilidades, mas igualmente de dores e obstáculos. Atualmente, neste ciclo social difícil, são cada vez mais as barreiras, os problemas e as chatices, para além das dores esperadas em certas etapas da vida. Cada vez mais, as pessoas se fecham na sua redoma, porque os seus problemas e as suas necessidades são os seus/as suas e as dos Outros as dos Outros. Na sua maioria, os gestos interpessoais estão convertidos ao Egocentrismo.
Em vias de extinção parece-me estar aquilo que eu chamo de Egodescentrismo: a capacidade de, no meio dos próprios problemas, reconfortar, perguntar ao Outro como está, querer saber e dar ternura. Ser-se capaz de se descentralizar nos próprios momentos maus e ser bondoso com a vida dos outros, em palavras ou gestos, porque os outros decerto também têm as suas dores e imprevistos. No fundo, sermos Humanos e Humanistas, para além das necessidades do Eu.
Não dei por falta deste Egodescentrismo nos povos de Timor e da Guiné-Bissau, que me acolheram durante anos. Mesmo na falta de casa e colchão, luz, água e comida, mesmo no pior dos problemas e das necessidades, as pessoas aí importavam-se genuinamente com as outras, incluindo com os estrangeiros, que viviam protegidos com mais abundância. Já concluí com tristeza que até as nossas crianças são mais egocêntricas e menos humanistas. Decerto que as experiências em missão condicionam a minha perspectiva, mas há muito que os valores que defendo parecem-me desencontrados do meio onde me encontro neste momento: uma sociedade de indivíduos humamente aquém da dos ditos países de terceiro mundo.
Faltam gestos e palavras de generosidade interpessoal; falta vontade de relativizar as próprias fragilidades para se importar com as de quem está ao lado; falta deixar a própria vida ensarilhada para reconfortar outra; falta ser-se superior à centrifugação dos maus momentos e não esquecer o Humanismo. Enfim, falta talvez colocar como possibilidade que dar de si pode ser uma libertação das trincheiras dos próprios problemas.

Sofia Martinho

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